Queria livrar-me de algo que me corroí
e me desgaste vezes sem conta sem que eu ciente de mim mesmo dê conta disso. De
algo assassino e silencioso, viciado e ambíguo que teima e persiste em me
manter refém nas suas masmorras.
Queria me livrar de uma cidade onde
o homem com H grande é aquele que mais xinga e vocifera palavrões no transito,
é aquele que contra todas as espectativas de uma longa e sofrível fila de
carros parados, ousa começar uma nova e desavergonhada fila mesmo que isso
signifique obstruir o sentido oposto, mesmo que isso signifique receber olhares
de repudio e reprovação.
Queria sim me livrar deste monstro
que nos atrai aos milhões e de uma falsa ilusão nos transmite a sensação que
somos angolanos de primeira porque somos vizinhos do presidente, temos a
sensação que somos mais importantes porque somos da capital, da nguimbi, mas na
verdade e mais bem a fundo somos selvagens, loucos e dependentes.
Somos sim selváticos, porque os nossos veículos
aproximam-se a tal ponto que carro nenhum, excepto o do palácio da cidade alta
nunca experimentou a sensação de um beijo de cuja cor do batom herda um sinal
por mais ínfimo que seja. Nesta cidade o anormal é normal, por isso riscar em
carro de outrem é uma proeza: foi apenas um riscozinho e se pode tirar com óleo
dos travões, e já esta!!!
Somos loucos porque não vemos as
linhas a delimitar as faixas nas nossas estradas e colocando-as entre os dois
pneus dos nossos veículos orgulhosamente onde os “burros” que perdem tempo e
dinheiro a sinaliza-las não passam disto mesmo: burros. Pra quê sinalizar estradas
nesta minha cidade se todos somos loucos, se onde foram destinadas duas filas
de trafego podemos arrojadamente fazer cinco? Porque se o que a linha contínua proíbe
podemos fazer? Porque se o que as duas linhas contínuas desencoraja podemos a bel
prazer fazer, quando quem devia fiscalizar até acena sorridente porque meu
veiculo não é azul e branco e logo, não garantido que receba gasosa?
Porque ir perder tempo na escola de
condução se afinal se pode comprar uma carta? Só assim se entende que muitos e
muitos garotos usem o “azul e branco” como a única via de poderem satisfazer
sem castigo a sua necessidade de mandar mais vidas pra lá da vida, ou seja pra o Camama? Porquê carta de
condução, se se pode comprar a bel-prazer uma “multa” que vai ser aceite e
respeitada pelo próprio policia que logo ao receber sabe que é uma “engenharia”, contudo,
sobre a qual não pode fazer nada porque é tudo normal...
uma cidade amena, mas monstruosa,
acolhedora, mas humilhante da qual me quero livrar porque estou cansado de ver
travessias seguras vazias e desertas enquanto os peões como que em ritual satanico
preferem correr destemidos, tratando a morte por Tu ou mais do que isso, erguer o braço ordenando a que todos parem para enfrentar os
riscos de ser atropelado entre as filas desordenadas de carros e carros, mesmo assim sorridentes e felizes e ainda maltratam os motoristas que não colaboram no seu ritual. Sim me quero livrar desta cidade sem ordem.
Nesta cidade ser bom condutor é
mbaiar. Nesta cidade ser esperto é ligar o pisca e logo mudar de direcção, o
mais rápido para que o veiculo com prioridade bata atrás e logo a razão esta
garantida. “Nesta cidade ouvir-se: vai pra isso da ... é uma saudação coloquial.
Nesta cidade, não se pode conservar os metritos de distancia entre veículos, tal
como um “pateta” escreveu no caduco e novíssimo CODIGO DE ESTRADA. Nesta cidade
o corajoso que arrisca e oferece o seu carro para um beijo de vampiro na orgia diária
de veículos é o que consegue chegar primeiro. Nesta cidade quem devia organizar
o transito também esta ocupado a surrupiar alguns kuanzas na ânsia de juntar o jantar.
Nesta cidade a fiscalização prioritária de momento é para as motos rápidas. Nesta cidade somos sim todos pessoas muito ocupadas que não nos importamos em
consumir horas e horas no transito, porque acelerando nossos carros para nada
estamos a produzir. Estamos a produzir substancias nocivas para poluir e
destruir a atmofera porque a nossa vida é agora que se lixe o amanhã.
É uma cidade impar, onde abundam
universidades mas elas não produzem conhecimento. So assim se compreende que ao
invés de arranjarem-se soluções funcionais para reduzir a mortalidade nas
estradas “gradea-se” e pronto já esta! Nesta cidade, depois de gradeadas as
estradas, se pode gratuita e livremente usar da força para romper a rede do
gradeamente e abrir uma brecha por onde todos passamos, e passamos e passamos.
Porque ir-se as passagens de nível? Ora essa. Pode-se embater por prazer num poste de iluminação publica, pode-se derrubar um sinal vertical de transito, pode-se atropelar uma placa protectora e nada acontece, simplesmente o estado providencia volta e repara e tudo fica na boa.
É uma cidade única porque quando se
localiza um ponto de constrangimento no transito, oferecemos dinheiro a
empreteiros caloteiros que vem com a varinha máxima e trazem a solução acabada
e empacotada.
Agora esta em voga ROTUNDAS e RETORNOS. Os retornos trouxeram a
esperada inovação que deve acompanhar o crescimento de Angola: transferir os pontos de estrangulamento do
transito para novos pontos de tão velho que estão os antigos. E prontos, ja está!
É uma cidade em crescimento onde com
o mínimo de chuvisco não se anda. As águas pluviais não tem destino, senão o
interior das nossas casas e seus acessos, tudo porque se pode entulhar uma vala
natural e erguer uma casa, que se lixe depois a água da chuva que impedida de fazer sua passagem repentina no curso natural, vaza por onde der e poder, a desgraça será
de muitos e porque também as autoridades deixam e permitem, não embargam e não
demolem as obras que se apossam das passagens naturais das aguas,...enfim.
A grande inovação produzida pelo
nosso novel saber inacto é grampear carros mal estacionados nas vias publicas
enquanto as sucatas podem continuar imponentemente estacionadas por semanas,
meses e anos. Ora, ninguém resgata uma sucata e ainda por cima por 90 mil kuanzas. Alias, pela cidade abundam sucatas reliquias cujos donos rezam que um dia um iluminado da fiscalização dê ordem de remoção, porque em lixo se transformou faz tempo.
Na minha cidade o expatriado sem
visto de trabalho pode montar uma kitanda onde na mesma prateleira vende: baterias, colher de pedreiro, batata rena, pensos
higenicos, leite, yogurt, sambapito, água oxigenada, frango, massa alimentar, massa consistente, oleo de motor, oleo de cozinha, ou seja
um cokctail de produtos e ninguém munge ou tugi. Não aceita devolução, mas ai da zungueira que se
atreva a andar pelas ruas a procura do pão dos filhos.
Esta é a minha cidade
onde como cantou um malandro artista; “o sofrimento da sungueira, é maior que o
provocado por uma guerra”.
Enfim...desta cidade me cansei
durante o sonho que tive acordado. Nesta cidade não posso mais e não devo mais
continuar a não ser que alguém me arranje um sedativo diário ou uma vacina que
acelere a minha loucura, porque agora que me sinto menos louco vejo coisas
anormais onde os outros vêm normalidade, quero mudar o que não se muda, quero
debater o proibido, quero exercer a minha cidadania que a muito foi atirada pra
o balde de lixo selado com a etiqueta: PAÍS VENDIDO. NÃO SE SABE POR QUEM E A
QUEM. APENAS QUE AMBOS, (VENDEDOR E COMPRADOR) SÃO MALUCOS E POR ARRASTO MALUCOS
SÃO OS QUE AGUENTA TAL PANDEMONIO.
Nota: QUALQUER COINCIDENCIA DESTE TEXTO
DE FICÇÃO COM A REALIDADE É PURA VERDADE, PORQUE POR DETRAS DE UMA ESTORIA DE
FICÇÃO ESTA SEMPRE UMA REALIDADE E MUITAS REALIDADES DE HOJE PARTIRAM DA FICÇÃO.
Este texto me fez construir uma fotografia a cores, ilustrando os distintos ângulos dos problemas existentes na cidade de Luanda, contra os quais são necessários não só esforços do Estado, o mais responsável, mas sim do cidadão comum, o mais visado. Grande análise cota Mussamo.
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