Estamos no mês de novembro de 1997,
precisamente no dia 10 de novembro. A sempre pacata cidade de Ndalatando, a
Cidade jardim já sem jardins dignos desse nome, vivia naquele dia uma azafama
grande porque iria acontecer um nos mais esperados eventos do ano. Tratava-se
do concurso MISS KUANZA NORTE.
O país vivia a febre
das misses e a capital do Kwanza norte não poderia ser a excepção. Excepção era
o facto da nossa província nos últimos tempos se ter transformado na ultima a
indicar a representante ao Comitê Miss Angola, que fazia o concurso nacional em
dezembro. Já tinha havido debates intensos sobre mudar a data do evento, mas um
dos seus principais apoiantes defendia a sua realização na data da dipanda. A
historia teria sido outra se esse defensor não fosse Manuel Pedro Pacavira, o
governador da província.
Na verdade ele
mandava em muitas coisas do evento, diferente não podia ser não fosse o governo
o maior promotor e financiador, apesar de que a organização e produção era
sempre atribuída a uma comissão. Mas sabíamos que o Velho Paca interferia na
escolha do júri e de muitas outras coisas. Foi por conta dessa sua
interferência que fui escolhido para ser um dos apresentadores em parceria com
uma voz feminina mandada vir de propósito de Benguela. Tratava-se de uma
formosa mulher que dizia ter sido miss simpatia na província das acácias rubras
no ano anterior. Ela é indescritível: era alta, peito cheio, olhos apaixonados
e acima de tudo dona de um sorriso lindíssimo.
A ilustre tinha vindo
Benguela pela mão do general Ngweto que a época era o vice-governador para
defesa. A menina era irmã mais nova da esposa do general e estava em Ndalatando
para visitar a parente e, portanto aproveitando-se de tão exuberante silhueta
juntou-se o útil ao agradável sempre pensando em prestigiar o maior concurso de
Beleza de Ndalatando.
A semana de ensaio
tinha sido dura. Para as candidatas a preparação era sobre como estar em palco,
as coreografias e cultura geral e eu e a minha parceira na apresentação
trabalhamos com o produtor na sincronia do que iríamos dizer e em que tempo
dizer, no timbre de voz e na sinalectica entre nós e os técnicos. Tudo isso
funcionou perfeito e no dia 10 fazíamos todos o ensaio geral.
Tinham chegado às
roupas, a banda musical, os convidados e todo o resto.
Antes do dia D, velho
Paca ainda tirou do seu precioso tempo para passar pelo renovado Cine
Ndalatando para ver o ensaio e certificar-se que estava tudo bem. Cruzamo-nos
no corredor e trocamos umas palavras que foram mais dele para mim. No fundo era
um encorajamento para me engajar e “caprichar” naquilo que iria fazer porque a
província estava à espera isso mesmo do seu filho “um categorizado jornalista e locutor de radio que tinha talento para
isso” dizia o velho político.
Sentimo-nos mais
motivados e buscamos forças para mais esta empreitada. Rapidamente voltei ao
trabalho e por sugestão da minha parceira fomos ver as roupas. Eu, que não
tinha sido contemplado com apoio nenhum em termos de “guarda fato” tive de fazer
recurso à prata de casa. Trouxe 3 pares de roupa. Dentre eles a minha
companheira escolheu dois: um facto escuro que fazia contraste com o seu
vestido creme e um traje africano branco para contrastar com o seu vestido de
cerimônia preto que usaria na ponta final já que estava prometido que depois da
eleição, as participantes e toda a equipa de produção seguiriam direito para a
residência do governador para uma recepção que se prolongaria madrugada
adentro.
Pelo o que era norma
na época, a ida ao palácio do velho Paca seria a alta madrugada porque era
quase certeza que o inicio da gala de eleição atrasaria apesar de ter sido
aprazada para as 22 horas. Dito certo, começou o concurso apenas depois da meia
noite. No jurado pontificavam nomes como o do então deputado Mello Xavier e do
já falecido engenheiro Garcia, delegado local do MINADER e homem de confiança
do governador e tido como intelectual de refinado conhecimento. Alias a certa
altura do concurso quando foi o momento de cultura geral ele fez questão de
pessoalmente subir ao palco e colocar as perguntas as participantes de viva voz
mesmo contra a vontade da produção que sugerir dar a lista de perguntas e mim e
a minha parceira. O engenheiro Garcia, fazia questão e justificava a sua
decisão pelo facto de ter sido uma responsabilidade que a ele tinha sido
incumbida por Sua Excelência o Camarada Governador. E assim foi.
Se a subida ao palco
do engenheiro Garcia foi uma grande contrariedade para a produção maior foi
ainda quando a nossa querida Dona Minga do protocolo enviada por SUA EXCELENCIA
(é assim que todos tratavam o governador) irrompeu no palco e cochichou na
minha orelha: Mussamo, o chefe mandou fazer mais uma ronda de cultura geral.
Fui apanhado de calças na mão. Não tinha nova ronda de perguntas e não podia
ali e no momento inventar novas perguntas para as coitadas das participantes de
tão sofridas e castigadas tinha sido na ronda de perguntas do engenheiro
Garcia.
Voltemos a mim e a
minha parceira.
Como disse ela era
cunhada do general Ngweto e estava alojada na sua casa na rua de Moçambique.
Apesar de estar na governação o nosso conhecidíssimo militar em tudo era igual
a si mesmo: um militar. Mesmo quando pedia um favor parecia uma ordem.
Contava-se que até nas reuniões do conselho da província era militar. Quando
encabeçasse uma comissão dirigia como militar. Ngweto, como dizia era de
profissão: militar.
Tinha sido incumbido
pelo governador para pessoalmente supervisionar tudo. Me encontrou nos degraus do então edifício do
governo da província na Avenida Antonio Agostinho Neto e energicamente
perguntou-me: então vocês os apresentadores já ensaiaram? E eu disse que ainda
não porque a minha parceira ainda não se fazia presente.
Virou-se para o seu
guarda pessoal, um jovem trajado de farda de policia de emergência e disparou:
vai a casa e trada a Rosa para o ensaio com Mussamo.
O jovem guarda
respondeu de pronto: as suas ordens
general.
Retirou-se, subiu na
carrinha bateu em direcção a Rua de Moçambique. Em pouquíssimos minutos estava de
volta. Entretanto, neste lapso de tempo o general retrirou-se para o interior
da sede do governo.
Para meu espanto o
guarda pessoal do Ngweto trazia um ornamentado vazo de mesa de pé alto com
rosas de porcela fresquinhas e trabalhadas. Naquela altura e porque rosas de
porcela ainda eram uma abundancia no horto botânico do Kilombo era pratica as
pessoas lá se dirigirem e mandarem
fazer bloquets de flores que até chegavam a Luanda.
Aprumado, como
sempre, o guarda dirigiu-se a mim e disse: kota
Mussamo, aqui tens as rosas que a mulher do general mandou. Foquei corado
de tanta admiração. Rosas? Para quê? São ordens do general disse ele e foram
mandadas pela kota lá de casa que disse para que sejam protegidas porque eram
da banca cabeceira do general. A dama disse ainda que o general não gosta que
faltem flores na sua banca.
Puxei da memória e
entendi o tudo.
Na verdade a minha
parceira chamava-se Rosa e o general tinha mandado o seu guarda pessoal para ir
buscar a linda menina e trazê-la ao recinto do ensaio. Risos.
Sem perder fôlego
bateu em retirada levando as rosas de volta e na viagem seguinte “aterrou” a
verdadeira Rosa que partilharia comigo os microfones na gala de eleição da miss
Kwanza Norte 1997.
A imagem que guardo
da rosa é de facto de uma porcelana, era linda e ao longo do espetáculo uma
quinta coluna da platéia não parou de assediar a Rosa a quem consideravam
MISS. Foi um concurso inesquecível pela
serie de sub-eventos que produziu como o facto do Muembeji ter sido considerado
por uma das miss como O MAIOR RIO DE ANGOLA.
Esta vos conto outro
dia.
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