O serviço publico não algo que
se adopta por slogan. É acima de tudo
um feito que se reconhece pela matriz e relevância do seu ministério. Em Angola
é useiro e vezeiro declarar-se qualquer coisa como “serviço publico” quando na prática nem de longe nem de perto sejam
algo que se assemelha a isso.
Já começa a ser relativamente alargada a lista de supostas instituições de
caracter público, onde pontificam media, ONG, organizações socio profissionais,
declaradas pela autoridade competente como sendo de utilidade pública mas que
não conseguimos divisar a relevância do seu serviço.
Da alargada lista de instituições assim designadas, os nomes que mais ficam
retidos nas nossas mentes são os dos órgãos de difusão massiva. Designados serviços públicos.
Paradoxalmente alguns os chamam “OS ORGAOS DE COMUNICAÇÃO DO ESTADO”.
Outros ainda os chamam “ORGÃOS DE DIFUSÃO MASSIVA GOVERNAMENTAIS” e uns os
consideram como “EXCESSIVAMENTE GOVERNAMENTALIZADOS”.
Um conhecido comentarista e analisa da nossa praça, metaforicamente chama o
nosso único diário, o Jornal de Angola “O
PRAVDA”. Só para relembrar aos mais novos, tal como o Granma é o jornal símbolo da revolução Cubana, O PRAVDA teve similar simbolismo por altura do auge do socialismo
soviético.
Granma é o nome do
barco que transportou Fidel Castro e companheiros do Mexico a Cuba para o assalto final e derrube da ditadura de Fulgêncio
Batista e Pravda no alfabeto Cirilico dizer
verdade.
Não é pretensão desta pequena
analise alinhar com qualquer epiteto nem é de longe nossa intenção referir-se jocosamente
a qualquer título do nosso mercado é antes uma maneira de contextualizar a
abordagem a que nos propomos. Na verdade nos propomos a falar dos MEDIA COM CARACTER PUBLICO NO NOSSO
PAÍS.
A nossa intenção e dar um modesto contributo ao aceso debate que se vai
travando a volta do serviço dos nossos “órgãos públicos de difusão massiva” e
olhar para o cumprimento do seu objecto de trabalho e aferir aqueles que deviam
ser os seus objectivos ao serviço da democracia angolana que bem precisa do
contributo de todos.
Assim, talvez devêssemos antes de tudo estabelecer os parâmetros do que é o
serviço público entendimento que podemos buscar em variadas correntes e
paradigmas dos estudos das Ciências da Comunicação e ver alguns exemplos
práticos.
Antônio Marcos de Guide na sua dissertação de mestrado intitulada TPA-O MODELO DE TV PUBLICA DE ANGOLA, ao
referir-se ao conceito de serviço publico,
antes aborda o conceito de espaço
publico, alias ao falar de um torna-se inevitável referir outro, e situa a
origem de ambos num passado recente, mais precisamente por altura do Iluminismo
e da Revolução Industrial. Logo a seguir, Guides socorre-se dos fundamentos de Habermas
para explicar como aqueles conceitos se associam ao de meios de comunicação ou órgãos de difusão em massa.
O autor refere que, foi a burguesia inglesa que através dos debates em
cafés e clubes deu origem e edificou as balizas do espaço público,
apesar de ser importante referir que também cabe a mesma burguesia inglesa o
demérito de ter parido um rebento congenitamente defetuoso ao elitizar o debate
para uma ínfima minoria constituída por homens da burguesia.
As mulheres não eram tidas nem achadas para este debate.
Em 1810 Londres já contava com qualquer coisa como 3 mil sítios para
debates públicos entrecortados por lúdicas serenatas de poesia. Neste fervor, portanto,
contrario não seria, senão a produção de um abundante caudal de ideias, que tão
logo se revelaram impossível de suster entre os muros de exímios 3 mil lugares são
levadas aos meios de comunicação de massa, que por sua vez ampliam o debate acrescentando
a relação directa e pessoal a mediatização.
Por isso não é mero acaso que a BBC de Londres seja nos anais da historia o
primeiro serviço publico de rádio e televisão no mundo. Desde a nascença que ela
tem a sua garantia de sobrevivência dissociada da principal entidade gestora da
maior parte dos estados do mundo, os governos, sejam eles de que ordem for.
São os contribuintes que através de uma espécie de quotização garantem e sempre
garantiram a sobrevivência da BBC, reforçando o sentido de pertença deste mesmo
espaço publico ao público tal como foi o seu surgimento.
Hoje, salvaguardadas algumas adaptações a BBC continua fiel a génese da sua
origem: a) o serviço não deve servir para
fazer dinheiro; b) deve ser independente do governo no poder; c) tem como
objectivo criar um eleitorado mais consciente para exercer a democracia e a
cidadania; d) o serviço tem como função principal suprir a necessidade de informação
dos cidadãos.
A BBC é conduzida por um director geral e 16 directores executivos. Esse director
responde à um Conselho de Curadores, o Board Governors, formado por 12 pessoas
que representam a população. São esses Curadores que controlam os padrões e as operações
da BBC, actuando como guardiões da qualidade da programação.
A única possível oportunidade do governo britânico interferir na
independência do serviço público de Radio e TV do país de sua Majestade é tão-somente
através do Conselho de Curadores.
É que os membros do Conselho de Curadores são confirmados pelo governo, num
processo que deve ser apartidário, para evitar nomeações que sigam tendências
politicas.
As contas da BBC depois de aprovadas pelos Curadores são apresentadas ao
parlamento, que representa o público e não ao governo britânico. A estratégia da
BBC é tornada publica e pode ser debatida por qualquer cidadão.
Nem mesmo a conhecida “Dama de Ferro”
conseguiu demover o público britânico de uma das suas maiores conquistas. O
governo de Magareth Thatcher tentou privatizar a instituição, mas não logrou
êxitos.
De lá pra cá a BBC continua a inspirar sociedades. Em todo mundo quando se
pensa em um serviço público de rádio ou televisão, para ser mais lato quando se
pensa em meios de difusão em massa com caracter público, busca-se inspiração
nos ideais da BBC.
Estas rasgadas referencias a instituição, e a BBC é de facto uma instituição,
não é nenhuma bajulação, até porque já não trabalho para a BBC Media Action a quase dois anos, depois de o ter feito por 7
anos ininterruptos, são trazidas aqui porque assim consta da história e
qualquer um que se interesse pelas Ciências da Comunicação terá sabido atempadamente
disso.
Para não ficar só pelos grandes, e porque presumo que alguém esteja a dizer
que é comparação é desproporcional, vamos mudar de categoria de Nações e de
continente para uma breve paragem nas terras do samba.
No estado de São Paulo, Brasil, temos outro exemplo de referência. O
serviço público de rádio e televisão é prestado por uma instituição não-governamental,
a Fundação Padre Anchieta, fundada em 1967.
A Fundação Padre Anchieta detém duas emissoras de rádio e um canal de
televisão, a TV CULTURA e esta virada para conteúdos independentes, pluralista,
informativo e também pedagógicos, além de incentivar o debate e de manter
sempre aberto um canal de comunicação com o público.
Entretanto, não se submete à pauta imposta pelos meios de comunicação de
massa, pelos interesses do mercado ou pelos interesses conjunturais do poder
politico ou económico.
Seu foco é a sociedade, seu mercado é o cidadão.
O Conselho de Curador da TV CULTURA é apresentado como modelo com certa independência
dos governos que se sucedem no estado. É constituído por 20 membros
representativos da sociedade, três membros vitalícios, vinte e um membros natos
e um representante dos empregados.
E o caso do Estado de São Paulo, mais uma vez não escapou ao belisco das
garras políticas. O ex-governador Paulo Maluf chegou a destituir o presidente
da fundação por decreto. O Conselho recorreu à justiça que, por unanimidade,
considerou ilegal a intervenção do político.
Avancemos para outro exemplo, o da Alemanha. A primeira emissora de rádio
alemã entrou em operações em 1923 em Berlim. Era uma emissora dos Correios, que
tinham e ainda mantêm a propriedade dos equipamentos de transmissão de
radiodifusão.
Até hoje quem quiser ouvir rádio na Alemanha compra um aparelho receptor no
comércio e paga uma taxa anual aos correios. A estrutura criada a mais de 80
anos continua intocável do ponto de vista jurídico e económico sendo um modelo
centralizado através da empresa dos Correios.
Nem mesmo a ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista de Hitler de
1933 a 1945, modificou esse princípio básico, embora os nazistas tenham reunido
as emissoras de rádio numa sociedade do Reich
de onde eram coordenadas politicamente como instrumentos de propaganda.
Isso tudo para dizer que bons serviços públicos no sector da media costumam
atender características especificas e inconfundíveis onde a universalidade é
fundamental. Nos bons serviços públicos da media as pessoas costuma ter direito
a receber o serviço que deve ser providenciado e oferecido a toda população sob
igual medida. Os serviços costumam atender a todos os gostos e interesses, com
diversidade de conteúdos e programação.
Para evitar quebra do princípio de independência, os serviços públicos de
comunicação costumam ter receitas que não os submetam aos interesses dos
governos. Costumam ser zelosos com as minorias comprometendo-se a oferecer
opções para públicos segmentados.
Em suma, servem de contrapeso a invasão cultural de outras nações, são plataformas
de promoção e fomento dos ideais da democracia a moda ateniense e são tribunas
de debate com igual oportunidade para todos.
Sendo a democracia uma batalha onde devia vencer o melhor argumento,
costuma se dizer que a primeira batalha é travada na media. Na media se
esgrimem argumentos, se convencem eleitores e conquistam públicos. Para que
isso aconteça todos os contendores devem partir em igualdade de circunstâncias.
Se em democracia, que não é mais senão o poder do povo, se devolve
literalmente o poder a este povo num único dia entre os mandatos, que é o dia
do voto é preciso deixar que o serviço publico de radio difusão e imprensa publica
potencie, capacite, eleve e instrua o eleitorado mostrando a verdade, fazendo
perguntas por vezes e aparentemente absurdas para que apareçam as respostas genuínas,
perguntando para além do obvio, investigando, etc. etc.
Só o serviço público é legítimo de “bisbilhotar no bom sentido” até a
exaustão. Todos os outros órgãos serão sempre conotados com os seus interesses
comerciais, com os seus lobbies e a obediência ao patronato.
O serviço público também tem interesses, claro que tem. Também tem lobbies,
claro que tem. Também tem patrão claro que tem. Mas este patrão dono absoluto e
soberano ao fim de tudo devia ser este povo que apenas em um dia retomado o seu
poder para o transferir novamente por delegação a uma cor partidária, a um
grupo ínfimo de representantes.
Portanto o foco do serviço público de radiodifusão e imprensa é a
sociedade, seu mercado é o cidadão. Se não queremos perder o FOCO talvez este
deveria ser o nosso próximo debate a dimensão nacional antes que novamente em
2017 deleguemos o nosso PODER a uma ínfima minoria.